Algumas bandas não deveriam ter fim

13.07.24   Artigo
mundo rock

Em geral, as bandas de rock costumam seguir um padrão bastante informal e são criadas pela reunião de músicos com afinidades e interesses em comum. Porém, com o sucesso, o modelo se desenvolve com maior promoção comercial, shows, qualidade das gravações e demais serviços de suporte. Algumas delas evoluem a ponto de conseguir definir uma marca e um estilo com fãs que a reconhecem a partir de poucas notas. Há ainda um seletíssimo grupo que cria conceitos e se torna referência. É sobre essas que queremos conversar.

Para quem acompanha a cena, possivelmente o assunto mais comentado é a turnê de encerramento do Sepultura.

O fato é que se trata de uma entidade única em seu repertório e influência no Brasil e no exterior. Algo raríssimo para uma banda de rock brasileira, mas comprovado pelos mais de 80 países que já receberam o grupo.

O anúncio do fim pegou muitos de surpresa e suscita reações e questionamentos desde então. A turnê que seria de comemoração dos 40 anos se transformou em despedida, com shows lotados e um público visivelmente emocionado. É até clichê falar sobre o quanto a banda mudou a vida de muitas dessas pessoas, mas está claro que se trata de algo maior. Para quem gosta do estilo, é claro.

No momento em que os músicos são bombardeados para explicar as razões desse encerramento, o guitarrista Andreas Kisser (na banda desde 1987) aponta motivos pessoais e profissionais, e faz uma analogia entre a banda e um filme, sugerindo que ambos precisam de um fim para ter sentido.

Será mesmo uma boa comparação? Muitos bons filmes realmente têm um desfecho digno e se encerram. Outras obras criam sequências interessantes. Há ainda a categoria das farsas (caça-níqueis) que ofendem fãs. Seria o fim do Sepultura um imperativo para se evitar uma continuação desastrosa?

Nos parece que uma alternativa apropriada seria enxergar a banda em questão como uma empresa cultural. Seu produto ultrapassa em muito as produções, pois gera um legado na forma de novos conceitos, atitudes, história e identificação. A gestão precisa ser profissional e preservar obra e história construídas com muito suor e criatividade.

Mas o que fazer diante do cansaço e do desânimo que pode abater? Talvez seja o caso de se pensar em algo para as gerações futuras com a constituição de uma empresa nos moldes de qualquer outra. Integrantes e ex-integrantes recebem participações societárias na continuidade das atividades e zelam pela sua longevidade, respeitando seus valores e propósitos. Algo muito comum em boas instituições.

Esse processo traz vantagens para os músicos, que continuam recebendo dividendos e têm a satisfação de ver seu “empreendimento” vivo. Isso é especialmente relevante para aqueles que ainda enxergam vida longa ao projeto, como parecia ser o caso do baterista Eloy Casagrande, jovem prodígio que deixou o Sepultura para seguir novos caminhos antes do encerramento.

Para a sociedade, é a continuidade de uma instituição que pode formar novos músicos e a sua capacidade de projetar continuamente aquele conceito que tanto inspirou seguidores. Obviamente, empresas também se encerram quando não encontram mais demanda para seus produtos, mas esse não parecia ser o caso.

Vamos olhar para o Kiss, banda que começou no início dos anos 70 e tem regularmente levado o imponderável estado da arte para patamares comerciais estratosféricos e até polêmicos, como o recém anúncio de que as apresentações ao vivo daqui pra frente serão realizadas por meio de avatares. Isso depois de quase uma dezena de turnês de despedida com os músicos de carne e osso. Paul Stanley e Gene Simmons os fundadores do Kiss são gênios nessa arte.

Por outro lado, temos no Brasil um bom exemplo que preserva com maestria o legado de uma entidade, os Demônios da Garoa continuam cantando com alegria seus sucessos históricos para públicos que se renovam e não se cansam de se inspirar com as letras de uma São Paulo que não existe mais. Na verdade, existe, nos corações dos seus fãs, que são quem deveria, em última instância, mostrar se realmente todo o patrimônio cultural deve ser encerrado.

Texto de Daniel Amaral e Paulo Zappa

Daniel Amaral |

Paulo Zappa | Rockway Bizz

Zappa é redator, locutor, revisor, flanelinha e vendedor de pastel